Os 5 curtas-metragens rondonienses do Festival de Cinema de Rondônia
A Mostra Rondoniense aconteceu presencialmente no dia 30/08/2025, com a exibição de 5 títulos produzidos em nosso estado. Assisti a todos eles, e esta é minha ordem de preferência.
Refletir sobre como encerrar os textos relativos ao Festival de Cinema de Rondônia — realizado no mês de agosto — me levou a uma solução simples e simbólica: destacar os cinco filmes rondonienses que integraram a programação oficial, em ordem de preferência. Esse recorte é significativo porque prestigiar o cinema do estado não basta; é preciso também estender a ele um olhar crítico, evitando uma blindagem desnecessária que, no fim das contas, apenas desmerece a arte produzida em nossas terras.
No Cinemacro, filmes locais e regionais são tratados com seriedade crítica — e não diminuídos em comparação ao que é feito em outros estados e regiões do Brasil. Nosso cinema, mesmo diante do histórico descaso com a pasta cultural, não deve em nada ao que se produz no chamado eixo. Há caminhos para evoluir, mas nenhum deles passa pela blindagem crítica. Evoluir exige debate, troca, não proteção.
Vale destacar ainda que, durante a exibição presencial da Mostra Rondoniense, no dia 30/08/2025, no Tapiri Cinema da Floresta, ocorreu a estreia de A Lasca, de Valdete Sousa. Entretanto, esse filme não integra esta lista, por não ter feito parte da programação oficial. Escreverei sobre ele em outra oportunidade.
Sem mais delongas, vamos à lista.
1. E ASSIM APRENDI A VOAR
DIR. ANTONIO FARGONI | DRAMA | 2024 | 14 MIN | RONDÔNIA
A narrativa conta a história de um protagonista que é pessoa com deficiência e acabou de perder o emprego. Enquanto busca outras oportunidades, ele descobre no audiovisual uma nova possibilidade de percorrer os caminhos de sua vida.
A obra possui uma perspectiva muito acertada na forma como aborda a vivência da pessoa com deficiência, colocando-as no centro da história, sem nunca resumir suas existências à deficiência. Apesar de se tratar de um curta ficcional, a escolha de utilizar recursos narrativos particulares da não ficção, como a câmera subjetiva que parece observar de longe o cotidiano do protagonista, quase berrando referência a escola do cinema direto estadunidense1, sugere algo que tive a oportunidade de confirmar no bate-papo mediado por mim, no dia 05/08/2025, com Guilherme Sussuarana — muito do que se vê em tela é resultado de uma observação e contribuição profunda de Guilherme, ator que vive o personagem principal do filme. Fica claro então que a estética reflete a proximidade que a narrativa realmente possui com a realidade.
Ademais, é muito interessante a sensibilidade na forma como a câmera percebe o personagem principal. Gosto muito do plano onde nos é revelado que o protagonista é pessoa com deficiência, logo após uma sequência onde ele é gravado executando atividades domésticas com naturalidade, na presença apenas de seu cachorro. Ele é enquadrado em frente a uma borboleta grafitada no ponto de ônibus da cidade de Porto Velho. O recado é claro, a deficiência não serve de limitação, e sim faz parte fundamental dos voos que o protagonista pretende alcançar. No melhor final entre todos os curtas exibidos no Festival, uma simples movimentação de câmera via drone é mais do que suficiente para abrir um sorriso em qualquer um que ama cinema, colocando o audiovisual como as asas de uma feliz descoberta.
2. RESISTÊNCIA
DIR. JURACI JÚNIOR | DOCUMENTÁRIO | 2024 | 9 MIN | RONDÔNIA
Por meio de depoimentos de descendentes de trabalhadores, povos originários e residentes de Porto Velho, o curta documental reconstitui a dor e a memória da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, no século XIX.
Durante o bate-papo mediado por mim, no dia 30/08/2025, Juraci Júnior comentou sobre como o filme foi encomendado pela organização da exposição da EFMM — que se encontra em funcionamento, depois das obras de revitalização da praça que aconteceram entre 2019 e 2024. O curta-metragem foi pensado para fazer parte do passeio turístico guiado, como um registro audiovisual da história que aquela exposição abriga.
Certamente esse contexto de produção influenciou nas decisões artísticas que moldaram os caminhos do filme, principalmente na sua duração, que apesar de curta — perante a densidade considerável de conteúdo acerca desse período histórico — conseguiu se consolidar como uma fresta para visualização de uma narrativa de resgate ancestral, pautando um começo de conversa que incentiva o aprofundamento em uma história muito contada em sua perspectiva epopeica, mas pouco conhecida na sua faceta trágica.
3. STOP FOGO!
DIR. JOÃO PAULO PALITOT, VIRGÍNIA DUAN | ANIMAÇÃO, DOCUMENTÁRIO | 2022 | 4 MIN | RONDÔNIA
Curta documental de quatro minutos que utiliza formas mímicas no estilo de colagem animada, com gestos mínimos, para provocar reflexões sobre as queimadas, tão presentes na memória coletiva rondoniense, que se tornam vilãs viscerais.
A estética artesanal, quadro a quadro, se articula muito bem com a mensagem ambiental, apontando o agronegócio como o principal responsável pela devastação da Amazônia ao longo da última década. O filme também questiona os impactos sanitários da fumaça, que alcança não apenas a região Norte, mas grandes metrópoles do Centro-Oeste, Sudeste e Sul, onde essa problemática costuma ser negligenciada.
Gosto de como o filme se articula esteticamente, mas sinto que a curta duração limita o desenvolvimento do tema. Ao final, a mensagem de que nossas ações individuais têm impacto global, embora verdadeira, acaba retornando a uma individualização de um problema muito mais complexo, que o próprio filme menciona: o agronegócio. É importante distanciar-se do discurso de pequenas ações isoladas — controlar a utilização de água, evitar queimadas na zona urbana e plantar árvores — e compreender que mudanças efetivas dependem de transformações estruturais na forma como o Estado lida com o agronegócio e da própria superação do sistema capitalista. Se esse poder que possuímos individualmente remete às possibilidades que a democracia, da forma como a conhecemos, nos permite, então essas soluções passam a ser muito mais coletivas do que individuais; ademais, se dependermos desses mecanismos sem organização política, morreremos todos queimados antes que possamos mudar qualquer coisa.
No fim, o filme cumpre o papel de denúncia e reflexão, convocando o espectador à ação, mas sua curta duração e a ênfase na individualização limitam o alcance completo de seu impacto.
4. PRONTOS PARA A COLHEITA
DIR. KAREN BOOCK | DRAMA | 2025 | 14 MIN | RONDÔNIA
Marília, jovem de 16 anos, vive com sua família em um pequeno sítio no interior de Rondônia. Diariamente, eles enfrentam os desafios e aprendem as lições do campo, onde cada semente plantada carrega a promessa de uma colheita generosa. Através de parábolas bíblicas e do trabalho árduo, Marília descobre que a verdadeira semeadura vai além da terra — ela acontece no coração das pessoas.
O filme demonstra boa intenção ao criar um paralelo entre o trabalho meticuloso, persistente e cansativo da agricultura familiar e a missão de semear as ideias do cristianismo na comunidade. Infelizmente, essa ideia esbarra na pouca articulação da linguagem audiovisual. Por meio de uma extensa e persistente voz em off da protagonista, o filme apresenta personagens, estabelece a premissa e os conflitos e, ao fim, resolve a história, sufocando qualquer possibilidade de trabalhar a semântica audiovisual.
As imagens, embora capturem alguns planos bonitos do campo, têm um tom de nitidez e colorização quase propagandístico. Aliadas a uma direção de arte, maquiagem e figurino que parecem ignorar as durezas da vida no campo — os personagens, em tela, sem vestígios de suor ou terra — reforçam a impressão de que o filme pretende se contar apenas pela narração, e não pelas imagens. Isso prejudica o paralelo que a narrativa busca estabelecer, lançando as sementes da história em solo pedregoso, onde não podem germinar.
5. NAS MARGENS DO RIO
DIR. CARLOS SANTANA | DRAMA, ROMANCE | 2024 | 22 MIN | RONDÔNIA
Às margens do Rio Jamari nasce o amor entre Vicente, um pescador ribeirinho, e Marinês, herdeira de um poderoso fazendeiro. Enquanto enfrentam tradições, opressão familiar e ambição, o casal luta por um futuro em comum.
O curta chama atenção pela ambientação em Ariquemes, na maneira como consegue capturar a beleza de suas locações, e pela política de dar espaço a canções originais de artistas locais, além da presença desses mesmos artistas em cena. Contudo, peca na condução das atuações, que têm papel crucial no filme e comprometem a imersão do espectador. Elas oscilam entre o realismo e a caricatura, sem nunca alcançar equilíbrio. Algumas performances, como as dos intérpretes de Vicente e Marinês, parecem buscar naturalismo, mas caem em estereótipos involuntários. Já os intérpretes de Zé Leitão e Zóio seguem um caminho assumidamente caricato. O último consegue performar com vigor a caricatura que lhe é proposta, na intenção de funcionar como alívio cômico — o problema é que essa caricatura soa deslocada dentro do conjunto. A competência individual, nesse caso, não consegue mascarar a falta de unidade estética do filme. No fim, essa inconsistência dificulta a conexão emocional do espectador com a história, enfraquecendo bastante o seu impacto.
O Festival de Cinema de Rondônia cumpre um papel fundamental ao dar visibilidade a produções que muitas vezes não encontrariam espaço em outros circuitos. Mesmo que, dentro do campo da subjetividade, sejam percebidas limitações técnicas ou narrativas, cada um desses curtas revela singularidades do nosso estado, seja no retrato de paisagens, na história das pessoas ou na abordagem de temas urgentes. Mais do que premiar ou comparar, é importante reconhecer o esforço e a criatividade que emergem dessas telas curtas e concentradas.
Esses cinco filmes mostram que o cinema rondoniense está em constante construção e oferece potenciais promissores. É preciso cobrar a criação, atuação e manutenção de políticas públicas de incentivo à cultura audiovisual do nosso estado, para que, nas próximas edições do evento, tenhamos mais filmes rondonienses na programação oficial do nosso próprio festival. Essa experiência evidencia que o olhar local, atento às especificidades culturais, sociais e ambientais, tem valor intrínseco e merece ser compartilhado — por isso é tão importante estar presente e prestigiar. Assistir a essas produções é também uma forma de se engajar com o presente e o futuro do cinema em Rondônia, celebrando histórias que nos enxergam e nos pertencem.
O cinema direto documental estadunidense surgiu no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, com fortes influências soviéticas, sobretudo de Dziga Vertov, especialmente em Nova York e Montreal (embora Montreal seja Canadá, o estilo influenciou fortemente o cinema americano). É marcado pelo registro direto da realidade, com mínima interferência do cineasta, acompanhado de uma equipe pequena, carregando equipamentos portáteis. A comparação com uma “mosca na parede”, observando a sopa, é uma metáfora comumente utilizada para diferenciar a escola do cinema verdade francês.







