Eu, Nirvana
O longa paraense propõe um mergulho em estados alterados de consciência, mas escorrega ao tentar sustentar sua atmosfera delirante com um texto frágil e uma dramaturgia pouquíssimo convincente.
Filme assistido em uma sessão da 3ª edição do Festival de Cinema de Rondônia, durante a exibição da Mostra Competitiva de longa-metragem, no dia 03/08/2025.
Existe uma distância incômoda entre a ambição da proposta de Eu, Nirvana e o que o filme consegue entregar. Dirigido por Roger Elarrat e ambientado entre a vida urbana de Belém e as margens ribeirinhas do Pará, o filme parte de uma premissa interessante: Nirvana, uma jovem que sofre um acidente de barco, entra em coma e, ao acordar, encontra-se mergulhada em uma realidade distorcida — entre o delírio e a sanidade, dor e insônia. Contudo, essa ideia promissora é rapidamente sufocada por um filme que se estende demais no próprio texto, que, apesar de flertar com a dualidade entre real e surreal, consegue ser forçoso ao ponto de ser inverossímil.
Observar a protagonista interagir com os demais pacientes do hospital é extremamente penoso. Os primeiros 20 minutos do filme parecem durar uma eternidade, e guardam neles toda a debilidade do roteiro de Roger. Para além da facilidade inacreditável com que Nirvana consegue transitar nas dependências do hospital, enquanto passa meses sem conseguir dormir, é cansativo perceber as obviedades dos caminhos planejados pelo texto, nas interações da protagonista com os demais pacientes. Existe um desejo de, simultaneamente, apresentar as dores e dilemas de todos os personagens envolvidos, enquanto se cria uma atmosfera ambígua, que permita uma certa obscuridade entre o que é real ou não, e quem é real ou não. Esse desejo nunca é atingido. Nirvana passa a introdução inteira tendo conversas filosóficas engessadas com os mesmos sete personagens, e o que supostamente deveria manter o espectador preso na tela, e depois suscitar dúvidas, é só desinteressante demais para valer o esforço. Trata-se de um filme narrativamente prolixo e, textualmente falando, comprometido com um tipo de linguagem que parece desconhecer a espontaneidade da fala real. Diálogos recheados de analogias e metáforas, que criam uma artificialidade que afasta e parecem não acreditar que o simbolismo desejado poderia ser alcançado pela imagem, fugindo da indecisão que parece pairar por toda a obra.
A própria condução das performances também padece dessa incerteza generalizada. Carolina Oliveira, no papel principal, até encontra alguns instantes de conexão emocional com sua personagem, mas, no geral, se vê soterrada por uma direção que não lhe dá espaço para nuance — e que exige dela uma intensidade constante que se torna repetitiva e caricatural. Joyce Cursino, em uma atuação excessivamente teatral, entrega uma personagem que parece sempre performar o trauma, sem jamais habitá-lo de fato. Talvez Manuela do Monte seja a única que consiga se sair relativamente bem, imprimindo um mínimo de contenção e ambiguidade em sua presença em cena, transmitindo um descontentamento convincente em virtude da condição de saúde debilitada da sua personagem, o que acaba destacando ainda mais o desequilíbrio entre os núcleos do elenco.
Mesmo compreendendo o simbolismo presente no nome da personagem protagonista com o destino do seu arco, não é possível deixar de perceber a inabilidade do longa de construir esse caminho de forma sensível. A referência ao conceito budista de libertação do sofrimento parece querer dar ao roteiro uma espessura transcendental que não se sustenta nem nas imagens, nem na dramaturgia. A personagem passa meses sem dormir, deseja ir ao Círio de Nazaré para passear em uma roda-gigante, como fez na infância conforme sua memória familiar, foge do hospital e retorna ao perceber que faltam meses para o evento que ela tanto desejava ir. Tudo isso parece querer sugerir um arco de reconhecimento de que o mundo fora do hospital também é disfuncional e ilusório, o que a motiva a retornar ao vazio original do hospital. Lá ela consegue vencer uma atrofia que tomava conta do seu corpo e volta a nadar, vencendo a força das águas que outrora quase lhe vitimaram no acidente de barco. Uma vitória simbólica da personagem sobre os seus traumas. Ela retorna ao coma, em um estado inconsciente, depois de vencer seus traumas, abandonando a agonia da carne. Todo o relatado acaba soando mais como ideia sublinhada do que como experiência espiritual. O nome, a fuga, o retorno e o novo coma formam um ciclo que sugere um nirvana — mas o efeito é mais esquemático que emocional. Há conceito, mas pouca vibração.
Eu, Nirvana quer ser uma obra sobre a travessia interior de uma jovem diante do limite entre vida e morte, consciência e torpor. Mas se perde ao tentar demonstrar essa travessia sem conseguir torná-la minimamente sensível ao olhar. É um cinema de intenções que se mostra antes de se formar, que descreve antes de evocar. E, por isso mesmo, apesar de partir de uma premissa cheia de possibilidades, entrega muito menos do que promete.



